O marinheiro, já com alguma experiência, navega nos últimos tempos por águas diferentes das de outrora. Acostumado a fortes ondas e tempestades em mar arredio, agora conduz seu barco em mar calmo. A placidez destas águas lhe traz tranquilidade, lhe confere paz. Estas águas de agora nem de longe lembram as antigas, e isso em dados momentos até o deixa confuso. O marujo não está habituado a calmaria, e aos poucos se acostuma com ela, sem assim deixar de sentir falta de algo, que só o mar bravo lhe proporcionara.
Como explicar esse amor não correspondido entre o marinheiro e o mar revolto? Este mar, repleto de tempestades, ventanias, ondas gigantescas e criaturas que ele jamais conseguira sobrepujar, e tão somente tratava de compreendê-las, benevolente e paciencioso. Quantas e quantas vezes esteve praticamente a deriva a ponto de naufragar, quando de repente o temporal estiava, e o marujo prosseguia, tentando dominá-lo, sem jamais conseguir seu intento. Mar forte, marcante, que lhe deixou na memória imagens lindas, mas que em contra-partida fora em muitos outros momentos destruidor.
Ao pensar nisso tudo, o marujo avalia erros e acertos, lembrando que como diz Nando Reis "erros e acertos são filhos do mesmo pai". Pensa também nas águas que agora explora, nunca dantes navegadas, se enternece de sua calma e calidez, que se transformam em afago quando a brisa lhe toca. Dizem os sábios que águas calmas são profundas, então, o que esconderão elas de surpresas e prazeres? Ademais, de que adianta pensar nas águas antigas, se estas já lhe deram aquilo que podiam: muito prazer, muitas agruras e um sentimento capenga por não correspondido, e muitas vezes desprezado.
Ao analisar isto, sente-se como Joquin de Vítor Ramil, em sua "nau da loucura, no mar das idéias", ou como na voz de Teddy Correia, ao cantar que "no fundo eu amei por nós dois". Sorrindo amarelo, lembra-se das palavras de Raul Seixas, dizendo que "um sonho que se sonha só, é só um sonho que sonha só". Deus, quantas evidências de que aquele mar não era para ele, mas ainda fica no ar algum resquício, algum porém, "ah porém" (Marcelo D2), e este porém paira como nuvem sobre o cabeça do velho marinheiro. Mesmo diante de tantos desencantos, algo parece dizer que ele terá outra oportunidade de navegar aquelas águas novamente, e ao mesmo tempo duas perguntas: valerá a pena? E não estará o marinheiro reculutando - parafraseando João Chagas Leite - lembranças, fios de esperanças e cacos de um amor-próprio que a muito se esvaiu de si? Para Wilson Paim seriam "Nacos de apegos". Mas o que há com este homem? Que insistência impertinente, mesmo diante das evidências.
O ego se infla ao lembrar-se que, até onde sabe, aquelas águas jamais conheceram marinheiro tão bravo. Ah, o bendito ego, que só serve para expôr o pior de dentro dos seres humanos. Pensando nisso, crê que aí está a resposta para tal insistência, a idéia fixa (e arrogante, mesquinha), de quem por lá navegue não se compare a si. Idéia ridícula, frívola e acima de tudo danosa principalmente para ele. Mesmo que tenha razão, Paulinho da Viola lembra que "não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar, é ele que me carrega como se fosse levar".
O mar escolhe o marinheiro a seu gosto, deixa seguir adiante, ou naufraga as embarcações que lhe convier.
O mar bravo já fez sua escolha, e mesmo que mude de idéia, já merece a tempos ser posto de lado, não esquecido, mas minorado em importância. Deixe ele no coração do marujo as boas lembranças, leve consigo as más, e siga com suas imensas e voluptuosas ondas, arrasando ou acalentando quem mais houver.
O mar calmo o acolhe de braços abertos, aceita ser explorado, se mostra solicito e amoroso. Suas características tão ímpares se comparadas as outras águas, são também de certo modo intrigantes e instigam a navegação exploratória. Então, qual o motivo para não fazê-lo?
Bravo marinheiro! A cabeça faz as escolhas, cabe ao coração aceitar ou não. Não lute contra nenhum dos dois, apenas deixe ser o que tiver de ser. A vida é sábia, e constantemente está a nos ensinar lições, algumas duras, árduas, mas que cedo ou tarde se reconhece necessárias.
Então, segue navegando, de coração aberto e mãos firmes segurando o timão, até descobrir em quais águas navegará logo adiante.
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E você, identifica-se com o marinheiro, com o mar bravo, ou com o mar calmo? O texto trata do amor de um marinheiro pelas aventuras e desventuras em águas bravias, e sobre a dificuldade de se habituar em outras águas tão mais calmas (muito embora estas o façam sentir-se muito bem), mas bem poderia tratar-se de relações humanas.
Que Deus abençoe a todos nós, mares e marinheiros.
PERFEITO!
ResponderExcluirSIMPLES ASSIM.
Nem acredito que eu escrevi isso :p
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